21.11.2021
Muitos, talvez todos, têm em sua casa um quadro em alguma parede. Antigamente colocava-se uma foto dos pais ou avós. Hoje é um objeto de decoração, um artesanato, a própria TV ou mesmo a bandeira do time.
Este é um quadro que por muitos anos esteve em destaque na casa dos meus pais. A foto, pode-se dizer, é a certidão de nascimento do “Lar Criança Feliz de Cotia”.
Meu pai, Rheinholt Plec (conhecido como Reinaldo ou “Seu” Plec), contador de formação e vendedor como profissão, depois de aposentado aceitou o desafio de prestar serviços para que um sonho se tornasse realidade e fizesse diferença na vida de muitas crianças.
Na época do Pr Horst Borkowski, líder de MASA – braço da hoje EBM International – “Missão Batista Européia” com foco na América Latina, e do Pr Robert Schmidt responsável pelos assuntos de MASA no Brasil, foram procurar, pelo interior na região de Cotia, algo novo para investir em missões ou trabalhos que pudessem ajudar igrejas e trabalhos sociais.
Quando estavam andando de carro na região de Cotia, encontraram o orfanato Escola Agrícola, que foi iniciado pelo Pr Ximênes, de Cotia. Quando entraram e viram as instalações, que na época era só para meninos, o Pr Borkowski comentou que precisavam ajudar ali de qualquer forma. Não havia nem camas o suficiente para todas as crianças.
Assim, com a ajuda de recursos da Alemanha através de MASA iniciou-se o trabalho e, com o afastamento do Pr Ximênes, a liderança acabou sendo transferida para a IBASP e para a Convenção Pioneira. Desde o início, meu pai coordenava as obras e reformas locais com o Pr R. Schmidt. O Pr Gerce começou a trabalhar como diretor e coordenador do Lar, ainda na Escola Agrícola, com muitos problemas para resolver e com os meninos muito carentes e necessitados de ajuda espiritual.
Devido à distância para frequentar a escola, decidiu-se procurar um terreno para a construção de um Lar, nos moldes do Lar de Ijuí – RS, experiencia bem-sucedida com casas para um número limitado de crianças e com pais voluntários para cuidar de cada casa, onde a mãe receberia pelo trabalho e o pai poderia trabalhar fora, como em qualquer lar normal, oferecendo também atendimento para as meninas.
A prefeitura na época prometeu um terreno muito bem localizado e cedeu o mesmo, mas com mudanças na administração do município, a doação foi revertida e o terreno retornou para a prefeitura. Com essa grande decepção, Pr Schmidt iniciou a procura de um terreno que pudesse servir para o Lar, encontrando o atual local por um preço bem razoável, mas com a necessidade de elevado custo para trabalhos de terraplanagem.
Deus, porém, tem seus caminhos e envia pessoas para ajudar e uma empresa fez o trabalho e não cobrou pelo serviço quando soube do propósito do projeto. A coordenação das obras iniciais ficou com meu pai, e grandes doações foram feitas para o projeto, como os recursos para a construção de duas das cinco casas, doados por um empresário alemão.
Nessa época, MASA começou a ser integrada à EBM que já tinha trabalhos na África e na Índia, sob a coordenação do Pr Hans Dietrich Weiand – que sucedeu ao Pr Borkowski, fundador de MASA – e continuou com o mesmo empenho os trabalhos sociais e missionários.
Assim nasceu o “Lar Criança Feliz de Cotia”, cuja intenção inicial era ser um lar para crianças que não tinham pais, ou que estavam em condições familiares complicadas, sem o apoio deles ou de parentes próximos.
Após a conclusão da obra meu pai atuou no Conselho que também contou com a participação da Dagmar Siebert, aqui presente, apresentando sugestões e ajustes, contato com o Serviço Social do Município, ouvindo os funcionários, os pais voluntários, e as histórias de vida das crianças que chegavam às vezes com irmãos, com as marcas do abandono, da negligência, muitas vítimas de maus tratos, sendo agora acolhidas, cuidadas e restauradas.
Minha mãe, Olinda, gostava de ajudar na cozinha e também na rouparia, organizando por tamanhos as roupas para meninos e meninas, roupas para verão e inverno, pijamas, uniforme escolar, roupa de cama e banho, cobertor, calçados… as crianças crescem rápido.
Algumas vezes chegavam enormes caixas de roupas novas e usadas em bom estado, fruto de campanhas realizadas na Alemanha por pessoas que também “apadrinhavam” as crianças, orando por elas e enviando presentes de aniversário e Natal. Dona Ursula, esposa do Pr Schmidt, escrevia e enviada as cartas das crianças para a Alemanha.
Uma equipe multiprofissional formada por assistente social, psicólogo, nutricionista, voluntários que atuavam nas áreas da música, artesanato, informática permitiam a adaptação e integração das crianças, liderados pela presença constante do diretor também líder, pastor e conselheiro.
Como foi bonito acompanhar o crescimento e a transformação de vida das crianças, a participação delas nos eventos e datas especiais cantando com entusiasmo e alegria, músicas que falavam do amor de Deus, emocionando todos os presentes.
Outro momento significativo era quando completavam 15 anos. Meu pai, através da indicação e contatos falava com empresários para que esses adolescentes pudessem participar do projeto “Pequeno Aprendiz” e a enorme alegria quando, após o aprendizado eles eram contratados para desenvolver suas habilidades, estudos e uma vida independente, casando e formando sua família. Ouvimos mensagens gravadas dos jovens Camila, Josilene e Enrico compartilhando as lembranças dos anos que moraram no Lar e a diferença que fez nas suas vidas.
Em agosto de 2012, teve início o planejamento para redirecionamento do Lar Criança Feliz, de um Serviço de Abrigo, para o início do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, da Associação Batista de Beneficência Tabea, conveniado com a Prefeitura de Cotia, com o projeto “Núcleo Criança Feliz” efetivado em 2017.
O tempo passou, minha mãe faleceu primeiro e meu pai chorou por muito tempo a partida dela, foram mais de 50 anos casados, e testemunhamos o quanto ele a amava e cuidou dela também no período de enfermidade. Meu pai então mudou-se para a cidade de Toledo, no Paraná, onde meu irmão residia, e vinha periodicamente a São Paulo.
Em uma de suas vindas, ele quis visitar o “Lar”. Não me lembro se era em um feriado ou período de férias, apenas uns poucos funcionários estavam presentes. Era uma tarde quente, a luz do sol penetrava pelas folhas das árvores e deixava desenhos na grama recém cortada, as paredes das casas haviam recebido uma nova pintura, iniciativa de uma empresa parceira.
Descemos até a quadra, admiramos a horta e nos dirigimos até uma das casas. Como ainda estavam terminando de limpar a sala, entramos pela porta da lavanderia. Meu pai subiu os poucos degraus, colocou a mão no batente da porta e comentou: “está firme, foi bem-feito!” Percebi a sua satisfação e orgulho por tudo estar tão bem conservado, e me lembro do texto em Col. 3.23 que diz: “Tudo o que fizerem, façam de todo o coração, como para o SENHOR e não para as pessoas.” Assim era meu pai, sempre buscando a excelência em tudo o que fazia, p.ex., conferindo o alinhamento dos azulejos.
A pandemia presente nos últimos dois anos trouxe novos e grandes desafios. As crianças, os adolescentes e suas famílias e todos nós, em certa medida, experimentamos o medo, o isolamento, a falta de alimentos, o desemprego e o luto, ao mesmo tempo em que nos solidarizamos com o outro e percebemos oportunidades para dividir.
No “Núcleo Criança Feliz” não foi diferente. Contando com empresas e instituições parceiras, doadores fiéis, equipe, colaboradores, voluntários e o apoio de uma Congregação local, formada por pessoas apaixonadas por Jesus, permitiu que em 2020, 148 crianças e adolescentes fossem atendidos através da distribuição de 10 mil kg de alimentos, kits de higiene, de limpeza e máscaras; acompanhamento e atividades online, materiais didáticos e complementares e, sobretudo, mensagens de esperança.
O projeto que completa hoje 30 anos, começou e continua com o mesmo propósito de atender crianças e adolescentes, e apresentar Jesus, que é especialista em restaurar vidas e dar um futuro.
Vocês, crianças e jovens que frequentam o “Núcleo Criança Feliz”, fazem parte desta história e estão escrevendo um novo capítulo.
“Porque sou eu que conheço os planos que tenho para vocês, diz o SENHOR, planos de fazê-los prosperar e não de lhes causar dano, planos de dar-lhes esperança e um futuro.” Jr 29.11
Irene Plec Teske, com a colaboração de
Markus Schmidt (dados históricos)
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